quarta-feira, 27 de março de 2013

27.3.13 - São Paulo


Acabaram os versos, a vergonha. Rompeu-se a represa das miudezas. Bukowsky deve estar se contorcendo na tumba. Foi aquele velho safado quem reativou a minha escrita “memorialista”.
Quem sabe, após tanto tempo em versos, tantas linhas em fibras, mortes mínimas, seja talvez necessário reapresentar-me. Afinal, de quando comecei o diário até o vácuo, primeiro de silêncio, depois de “poesia”, fui laminada no fio do tempo, abriram-se em mim uns vincos no rosto e estas cicatrizes na escrita. Eu sou aquela que aprendeu que tudo o que registro aqui é, e sempre será, sincero e mentiroso, mesmo que pareça sinceridade absoluta. Consequência da contradição de ser  violenta passiva, gentil e raivosa, materna e Medéia.   
Quando se ingressa no curso de Letras, há um processo contraditório e perverso: somos apresentados à literatura e leituras fantásticas, divagações delirantes, que nos fazem acreditar que a humanidade vai para além de uma ejaculação precoce e um orgasmo fingido. Manuel Bandeira, Drummond, Clarice, Valery, Cortaza, Gabriel Garcia Marquez, Machado, Graciliano, Guimarães, a lírica de Camões - e não apenas a chatice de sua epopéia, Vinicius de Moraes, são alguns dos que nos farão companhia já de largada em nossa trajetória de estudante. E, como guias, teremos Hobsbawn, Antonio Cândido, Benjamin, Adorno, Kant, Greimas, enfim, gente que escreve bem, bem para caralho. O que é maravilhoso, não fosse o que vem no pacote da recepção: o medo. Tudo nos é apresentado lá de cima, de um pedestal inatingível. Junta-se a isso a arrogância e demagogia de nossos mestres, poderia dizer que é quase um processo de castração o que nos acompanhará do meio da faculdade em diante.
Por muito tempo, eu que escolhi o curso de Letras para ser escritora, fui possuída de uma grande mordaça de silêncio. Escrever e andar nua pela rua passou e ser um sinônimo. Incessantemente aterrorizada em escrever algo e repetir o já dito, escrever clichês, escrever obviedades, escrever mal, escrever sem permissão...
O tempo passou, veio a experiência, vieram outras leituras, e passei a enxergar e sentir na pele a arrogância acadêmica, a minha própria arrogância (e porque não?), o mutismo cruel a que somos lançados à espera de permissão para que descosturem nossas próprias bocas. Não à toa, Foucault em As palavras e as coisas, descreve também a academia como uma das instituições responsáveis pelos mecanismos sociais que selecionam os que podem ter voz dos que não podem, um dos espaços de policiamento e normatização da fala.
A academia, que adora se intitular como baluarte da liberdade, é ela também a que deslegitima vozes, silencia, com seu grande poder de mordaça. E a mim, passiva, ainda adolescente quando ingressei à USP, aos 17, a mordaça quase colou-se à boca e se fez órgão em minhas ideias.
Quase... Não fosse a gentil violência que mora em mim. Acordada no azedume da demagogia, é a indocilidade de quem viu os sonhos fritados por não se enquadrarem à objetivos institucionais, é a minha indocilidade que lambuza os textos aqui publicados.
Eu escrevo. Furiosamente. E minto. pois, descobri, que ninguém pode ser suficiente sincero. A sinceridade pressupõe querer mudar o outro, e as vezes, não adianta querer. Há pessoas tão frágeis que se você quebrar nelas as poucas verdades que guardam intactas, em esmero, nada mais restará. Se demonstrar que o que reproduzem nada mais é do que conhecimento de livro de autoajuda, de título de prateleira, de ódio de classe, perfumaria fétida, como continuariam, desvendada a máscara , a manterem os alicerces de seus egos? Eu também tenho minhas máscaras e sei a dor que sinto quando as  escalpe-lo de meu rosto.    
Por isso minto. Ou digo verdades que, no outro dia, serão desverdades (não-mentiras, isso não!).
Há outras ferramentas para sair de mim, morrer-me em amor, amputar minhas máscaras. Não acredito na escrita como única fonte de conhecimento. Esse mito eu já enterrei faz algum tempo. Mas a escrita é uma delas, é inegável. E o amor em mim é uma sina, bem como o masoquismo de minhas autoflagelações. O amor e o ódio, faces da mesma moeda. As pontas, os extremos, os intensos, a violência e a gentileza, violento horror diante da crueldade-mesquinhez do mundo. Escrever é pensar, é desejar o desejo. E esta é a minha banana para o mundo.  Eu, voz-clichê, geração Y, geração perdida, pronta para fazer alguns outros perderem-se comigo.
Estendo as minhas mãos a ti neste papel. Para um abraço, ou para um tapa na cara. Sem  meias-palavras, meios-abraços, meios-rancores. Meios-amores...
   

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