quarta-feira, 16 de julho de 2008

As nossas carnes na carne do outro. Até onde segue a extensão de nós?

Já é de algum tempo que a relação que estabeleço com meu corpo me é motivo de reflexão e espanto.  Sei que o olhar sob a relação que estabelecemos com o nosso corpo não é uma temática que traz novidade, e que corro o risco de, inclusive, descrever aqui uma série de proposições clichês disparando relatos visivelmente fruto da inocência que carrego em relação ao assunto. Mas é que, como tenho um corpo diferenciado, a ausência de modelos com os quais eu possa estabelecer comparações equilibradas torna as minhas incompreensões ainda mais díspares.  Não pretendo, todavia, me deter a essas diferenças. As utilizarei simplesmente para demonstrar o quanto de uma ponta a outra (daquilo que possa ser universal àquilo que é restrito a minha condição) é difícil conhecer o próprio corpo (ao menos, creio assim!)e as relações que estabelece. 

Quando eu era criança, não subia escadas sozinha. Acreditava não conseguir. Um belo dia, uma tia que, vez ou outra, cuidava de mim, me propôs uma maneira de subir escadas.  “Segure-se aqui! Apóie-se ali!”. E assim foi a minha vida toda. Diversas tarefas cujas pessoas ao meu redor desempenhavam com a mesma naturalidade com que respiravam, a mim exigiam a sensibilidade de descobrir como as realizar só que de um outro modo.  Geralmente, eram aprendizados adquiridos naqueles momentos de conflito em que eu não havia como pedir ajuda a alguém. Há coisas, por exemplo, que hoje considero absolutamente simples, mas que demoraram muitos anos para que eu aprendesse a fazer.

O corpo humano não se mantém em pé apenas porque é sustentado por um esqueleto. Se pensarmos que uma pessoa acometida de labirintite não consegue estabelecer o próprio equilíbrio, então, ficará próximo do que quero dizer. Um bailarino apresenta movimentos incríveis e tudo o que ele possui para tanto é o mesmo de seus telespectadores: o seu corpo. Em minhas aulas de teatro, aprendíamos, entre outras coisas, a saltar, a cair, a correr... Enfim, a cuidar de nossos movimentos, mesmo os aparentemente simplórios, para que fossem os mais exatos, pontuados e equilibrados possíveis. Nisso reside um dos qualitativos indispensáveis para um ator: o cuidado com que desempenha os seus gestos. Nas aulas de dança não era diferente. A diferença do caráter destas últimas é que, além do meu corpo, colocava-se em jogo intrinsecamente o corpo de outra pessoa. E é nesse ponto que pretendo me deter: eu, o outro e os nossos corpos... Juntos!

Devo iniciar esta reflexão dizendo: difícil. Realmente, eu não sei como a humanidade conseguiu se multiplicar com tanta rapidez e eficiência. Acima eu citei uma série de dificuldades e aprendizados no desempenho realizado por nosso corpo e que, por não determos o nosso olhar, passam despercebidos. Agora, ao imaginar que durante o ato sexual o que está no cerne de sua prática é concomitantemente a sensibilidade às nossas sensações e às de um outro; e que ainda por cima esse outro pode ter um corpo que de tão diferente chega a quase ser o avesso do nosso, então a palavra que vem a cabeça é difícil. Gostoso e difícil, que paradoxo!  A coisa se complica ainda mais se levarmos em consideração que além de dois corpos em movimento, estão também na cama e em duplicata, uma série de fantasias, exigências e expectativas, a moral e todos os seus simulacros, todos os medos. Tantos quantos couberem dentro das cabeçinhas dos que estiverem ocupando a cama... Tudo isso em movimentos rítmicos, ágeis, entre gemidos, beijos, tapas, arranhões, frases, gritos...e tabus. Éramos para ser uma espécie em extinção! Rsrs! Ainda sim, conseguimos ir para a balada, conversar duas horas como uma pessoa e no final de tudo ainda gozar!

Mas ao repassar em minha memória todas as minhas transas, desfilou à minha frente recordações e ao final um espanto: a de que eu somente sentira o meu primeiro gozo a pouquíssimo tempo (até porque, definir orgasmo e, ainda por cima, orgasmo feminino...díficil!)! Pois é... A feminista, a independente, a analista de discurso, a femeazinha emancipada! (este último qualitativo de empréstimo de Um copo de cólera) Quanto engano... No borbulhar disso tudo, um ensaio: teria eu me perdido na urgência da busca pelo prazer, pelo gozo, de tal forma a criar mecanismos anestésicos do outro e, consequentemente, de mim? A ansiedade do gozo que lhe anestesiou de sua própria essência: a sensibilidade na interação dos dois corpos. Sensibilidade essa que é compartilhada na atenção que retemos sobre nós e na que é depositada no outro.  Uma via de mão dulpa. Olha que merda! Bom, ficam as perguntas. A única pré-conclusão que consegui chegar até o momento é a de que realmente, eu não me conheço. E a de que ainda precisarei  aprender muito...      

      

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