quinta-feira, 31 de julho de 2008

[...]toda crítica de arte deve ser uma obra de arte...

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Por Márcia Tiburi

Fui ver Para Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã de Pina Bausch. Os porto-alegrenses tiveram a mesma oportunidade no Porto Alegre em Cena há poucos dias. Assisti também Dínamo de Deborah Colker.

Por que escrever sobre o espetáculo de Bausch e Colker e não sobre artes plásticas? Para dar uma respirada, ora, qualquer um pode alegar. Depois a gente conversa sobre estas separações que levam apenas ao bem das disciplinas. Quem sabe um dia seja possível parar de usar o disciplinar – nome do controle - em nome da anarquia do pensamento. Anarquia pode ser algo bom, sobretudo quando se opõe à disciplina que nos enrijece e emudece os especialistas entre si. O especialista é alguém que se afoga solitário no seu conhecimento. Uma mãozinha viria bem.

O que me faz escrever não é a necessidade de uma exegese das artes (mais chatas – chatice é, às vezes, uma bem-vinda categoria filosófica - do que análises hiper especializadas são as nada-especializadas e, infelizmente, eu não sou especialista no assunto) que alguns sabem fazer muito bem (ainda precisamos de mais críticos neste país colonizado), mas a urgência do testemunho sobre a beleza das coisas. Aquilo que Walter Benjamin escreveu em seu texto sobre O Conceito de Crítica de Arte no Romantismo Alemão e que é algo que ainda pode ser bem aceito: toda crítica de arte deve ser uma obra de arte (teoria como poesia sobre o poético que compõe a obra de arte?). Hoje me toca mais o que é belo (não digo bonito porque lembro de filósofos antigos fazendo a diferença entre o belo inaplicado e verdadeiro e o aplicado ou útil) do que o que é conceitual porque o que tem coragem de ser bonito nas artes em dias como os de hoje já passou pelo conceitual, já se elaborou e reelaborou. O que é útil é útil; outra conversa. O que é belo parece ter consciência (um saber representado na obra ou na pessoa) de seu fim, de que algo nele já passou e se encaminha para outras veredas. O belo nas coisas é uma certa consciência da passagem, um vislumbre dos limites e de que é possível encontrar verdades dentro deles. Como isso se representa nas coisas: quando elas rompem com a seriedade.

Além de belos (sim...) os espetáculos das coreógrafas são divertidos. Bons para rir, bons para alegrar os olhos. Colker é a alegria revolucionária do corpo em todas as suas mobilidades possíveis e os riscos desta mobilidade. Virtuosismo e coragem, habilidade e liberdade dão de sobra no seu cenário. A obra de Colker é incontestável até aqui. Tomara que, se ela realmente for ao Cirque du Soleil, possa embutir arte na pasteurização para a qual o circo se encaminha. De qualquer forma que a alegria seja permitida, possível, fomentada, é algo que todos devíamos aplaudir.

O espetáculo de Bausch é, além disso, gracioso. Há uma cena lembrada por minha filha de 9 anos que gostou muito das 3 horas diante dos bailarinos e suas peripécias: uma bailarina com os braços para trás finge usar os braços musculosos de outro bailarino que se oculta atrás de seu corpo. O efeito é o de uma mocinha de vestido vermelho com braços enormes se movimentando como em exibições de fisiculturismo. Ela se encarrega das caras e bocas. A platéia ri.

Talvez Bausch tenha conseguido mostrar o que é realmente infantil. Um espetáculo bem europeu, de uma Europa que já sente saudade de si, do que nela ainda há de diferente no resto do mundo: alegria, leveza, ludicidade. Confio que Bausch não quisesse mostrar a miséria e a fome de nossas crianças de hoje, ontem e amanhã porque espera que tenham melhor sorte.

Um riso bom, um riso sobre o muito bonito. Daqueles que lembram as trapalhadas das crianças. Riso que só os palhaços espertos sabem produzir. Um riso sobre as coisas que são delicadamente engraçadas e que, não sendo engraçadas, seriam ainda bem bonitas. Isentos de pornografia ou apelos aos sentidos. Não lembro da última vez que ri diante de algo que me fizesse rir por sua beleza, por sua delicadeza ou sofisticação. Raros são os que compreendem o riso como alegria, e esta como algo “elevado”. Elevado, entenda-se aqui como a depuração do simples (por favor, não confundam com a velha querela rançosa entre baixa e alta cultura, cultura de elite e de massa, indústria cultural). O riso, infelizmente, está cercado pelo humor da baixaria que é certamente um mau-humor. Mas nossa cultura não se dá conta disso.

A conquista da alegria é a maior que podemos ter em termos estéticos. A alegria é o grau máximo da beleza. O que é a beleza, entretanto, há que se responder ainda. Por enquanto só intuições nos fazem pensar.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Artista da Imagem: Maurits Cornelis ESCHE

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