quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Coisas que aprendi e que havia esquecido...

Musa

Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido

Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto

Musa ensina-me o canto
Em que eu mesma regresso
Sem demora e sem pressa
Tornada planta ou pedra

Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava

(Eu me lembro do chão
De madeira lavada
E do seu perfume
Que atravessava)

Musa ensina-me o canto
Onde o mar respira
Coberto de brilhos
Musa ensina-me o canto
Da janela quadrada
E do quarto branco

Que eu possa dizer como
A tarde ali tocava
Na mesa e na porta
No espelho e no corpo
E como os rodeava

Pois o tempo me corta
O tempo me divide
O tempo me atravessa
E me separa viva
Do chão e da parede
Da casa primitiva

Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
para prender o brilho
Dessa manhã polida
Que poisava na duna
Docemente os seus dedos
E caiava as paredes
Da casa limpa e branca

Musa ensina-me o canto
Que me corta a garganta



Sophia de Mello Breyner Andresen, Livro Sexto (1962)

 

O porquê deste poema no espaço do meu blog e não no espaço destinado a artigos é o que o leitor deve estar se perguntando. Bom, se não o fez, terá a explicação mesmo assim. Este poema que tive contato na aula de Literatura Portuguesa de terça (25/09) além de explêndido, me fez recordar algumas coisinhas que já havia aprendido em meu primerio ano de curso e que por desmemoriamento, ou por ser uma pertubada militante, deixei de fora de minha caixinha de conhecimentos. A função da escrita na minha vida.

Talvez por medo de uma vaidade intelectual que muitas vezes me ronda e me enoja, tenha sido tão radical a ponto de questionar a função própria e necessária que a escrita tenha na vida de seu autor e principalmente, até porque isso é um blog, na minha vida. Esqueci mesmo da lição aprendida com um dos meu livros prediletos, São Bernardo, o qual viciosamente li várias vezes.

Passei muitos anos, senão a maioria dos anos de faculdade, com vergonha de minha escrita. E ela é inocente mesmo! Revi meus textos estes dias. Algumas boas idéias em estrututas carentes de boa coesão e até mesmo, de coerência, erros graves para uma ex-professora de redação e atuante corretora de textos. 

O que percebi também foi o quanto a própria incoerência de meus sentimentos tinham influência direta em tais disparatações. E é nesse ponto que a continuidade de minha escrita, o poema de Sophia (grande escritora portuguesa contemporânea. Leiam!), o livro do Graciliano e tantas outras coisas adquiriram vazos comunicantes, de forma a finalmente demonstrarem-me algum sentido realmente profundo. Os meus sentimentos, as minhas fantasias, os meus desejos, embora muitas vezes soltos a revelia e jogados a própria sorte, eles, assim como outras demais coisas de nossas vidas, precisam de organização. E não só: precisam ser revistos, REVISITADOS.

Não  estou aqui a realizar qualquer tentativa de tratado ou definição de literatura ou de sua função social. Também deixo claro que sei que nada disso é novidade e o quanto Walter Benjamim toca em tal questão com muito mais propriedade (não, não o li. Acabou meu dinheiro para a xeróx!). Deve haver outros que também o façam.

São apenas coisas que queria relatar. Que queria cantar aqui! coisas que como coloca Sophia, me cortam a garganta.

Ontem tentei achar um texto que havia começado a escrever a muitos meses atrás. Falava sobre  meus sentimentos em relação à morte da minha avó. Não sei o que aconteceu, mas não encontrei. Pensei depois tenha sido melhor assim. Na época, o texto foi uma maneira de tentar colocar o desespero que sentia por não conseguir entender o que se passava comigo. Um pedido de socorro, confesso. Mas estava tudo tão confuso, que não conseguia concluir o texto. E por misericórdia a qualquer possível leitor desavidado que por aquelas linhas passassem, resolvi deixar o texto amadurendo em algum lugar. Passou do ponto e desapareceu.

Hoje, agora, também não estou conseguindo concluir estes dizeres. Talvez porque não sejam para serem concluidos. Largo aqui.     

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